Escândalos marcam a Prefeitura do Recife durante a pandemia

Escândalos marcam a Prefeitura do Recife durante a pandemia

Transparência na Gestão Pública em tempos de crise, o importante papel da sociedade e dos órgãos de controle.

Por Breno Bezerra Jr*

Recife, Quinta Feira, 28 de Maio, “Polícia Federal faz buscas na prefeitura do Recife em investigação sobre compra de respiradores sem licitação, policiais também estiveram na casa do secretário de Saúde, Jailson Correa, que teve o
celular apreendido” .

Recife, Terça Feira, 16 de Junho, Polícia Federal deflagra Operação antídoto para investigar contratos da Prefeitura do Recife — Polícia Federal.

Recife, Quinta Feira, 23 de Julho, PF deflagra operações que miram compra de respiradores e material hospitalar pela Prefeitura do Recife.

Isso mesmo que você está lendo, desde o início da pandemia a Prefeitura do Recife esteve envolvida em casos de má aplicação do dinheiro público. Vamos entender melhor isso?

Em situações de pandemia, todos os gestores públicos têm a prerrogativa de comprar bens ou serviços por dispensa de licitação, ou seja, sem ter que fazer todo o processo que geralmente se faz. A dispensa de licitação está prevista no art. 24 da Lei 8.666/93 (LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993) e é interessante que se tenha dispositivos como esse na legislação, justamente para situações como essa, com o advento de um vírus com impacto mundial.

Além dessa norma, em 06 de fevereiro, foi sancionada a lei 13.979 (L13979) específica para a pandemia do novo coronavírus. Nela, dispõe-se sobre as medidas que poderão ser adotadas para o enfrentamento da atual crise de saúde pública, que afeta o mundo todo. Após a sua implementação, foi ao ar uma Medida Provisória, de número 926/20 (MEDIDA PROVISÓRIA Nº 926, DE 20 DE MARÇO DE 2020, que amplia a dispensa de licitação; essa regra começou a valer para todas as compras e serviços, inclusive de engenharia, necessários ao enfrentamento da pandemia.

Paralelamente a isso, a prefeitura do Recife fez uma compra de 500 respiradores, estimada em 11 milhões de reais, para equipar os hospitais de campanha da capital pernambucana. Ação dentro do esperado. Até que nos deparamos com o seguinte fato: Em seu CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), a empresa está com o nome fantasia de Brasmed Veterinária, isso mesmo, a empresa tem como atividade principal o comércio varejista de animais vivos e de artigos e alimentos para animais de estimação, (Brasmed Veterinaria Juvanete Barreto Freire 35177684000186) ou seja, é um “Pet Shop”.

Além de não ter a capacidade técnica para tal produto, ela não tem estrutura financeira, seu capital social é estimado em 50.000,00, e também é classificada como MEI (Microempreendedor Individual), que de acordo com a Lei só pode faturar até 81 mil reais. Valores abaixo da média de mercado, empresa com um pequeno espaço para produzir, sem testes em humanos, aliás somente em porcos, sem sequer registro da Anvisa e autorização devidamente atualizada para produzir tal produto. há de se questionar que uma empresa desse porte possa receber tal pedido e pagamento.

Esse cenário nos deixa atônitos e bem pensativos, pois nos leva a conclusão de que as atitudes destes gestores públicos se orientaram por intenções corruptas ou por pura e mera incompetência. Mais do que nunca, neste momento de pandemia, estes gestores têm a vida das pessoas sob suas mãos, principalmente a dos mais vulneráveis, que precisam dos serviços do Estado. Em vez de gerenciarem, se aproveitam de uma crise sanitária e dos dispositivos da lei para obter benefícios. É achar, na fraqueza do momento, uma oportunidade de perpetuar as mesmas práticas que faz do Brasil um país que sofre todos os dias com as marcas da ineficiência e corrupção.

E casos como esse citado aparecem como recorrentes e outras compras da prefeitura estão sob suspeita. O gabinete da deputada estadual Priscila Krause (DEM) apurou que houve sobrepreço em vários itens, principalmente quando comparados a outras cidades, em que o preço é drasticamente menor. Como exemplo, tem-se a compra de sistemas de aspiração traqueal;segundo o apurado pela equipe da parlamentar e divulgado pelo Blog Ne10 do Portal UOL, a prefeitura pagou R$430,00 por cada sistema deste, enquanto outros estados e municípios investiram entre R$45,00 e R$155,00, podendo citar a Prefeitura de João Pessoa, vizinha da capital pernambucana, que adquiriu emergencialmente os sistemas fechados a preços que variam entre R$ 80,00 e R$ 141,00. Será falha do setor de compras e licitação da prefeitura? Ninguém fez análise e comparação? Atitudes falhas ou realmente intencionais? Muitas perguntas, para poucas respostas.

Estas aquisições da prefeitura revelam certo desprezo pelas noções de vantajosidade e economia que devem ser aplicadas ao recurso público, pois enfrentar uma crise não isenta o setor de compras ou licitação de qualquer órgão de analisar e verificar as possibilidade em tempo hábil para efetuar a compra mais barata e econômica aos cofres do governo, claro que com toda qualidade necessária. Como estagiário de setor de compras de uma secretaria estadual, o que venho aprendendo é que sempre devemos buscar pelo princípio do menor preço, pois assim honramos todos os dias os pagadores de impostos desse país que fazem a administração pública andar.

No meio disso tudo é preciso que se fiscalizem as ações do poder público, principalmente as que envolvem recursos e dinheiro que provém de toda a sociedade pela tributação, porque é essencial que haja transparência e clareza quanto ao dinheiro público. Aí é que entra o papel daqueles que estão do outro lado da história: o povo e os órgãos de fiscalização.

A sociedade, a imprensa, e os órgãos de controle têm um papel fundamental nesse momento, pois a sociedade tem a oportunidade de exercer seu controle social e acompanhar seus representantes, respectivos posicionamentos e ações quanto a crise, a imprensa com seu papel essencial de buscar, obter e disseminar informações importantes e relevantes a toda população, e os órgãos de controle que têm o dever por lei de fiscalização das contas públicas, e que durante crises deve ser algo mais enfático ainda, e se for preciso intervir para que não haja dano ao erário público. A sociedade civil, especialistas, toda imprensa e os órgãos de controle precisam estar a par de toda a situação fiscal e orçamentária dos gastos e despesas, assim como, entendendo que o dinheiro gasto está sendo bem aplicado e que os serviços e bens adquiridos estão de fato funcionando, e chegando a quem precisa.

Uma reportagem do UOL nos diz que no Brasil apenas 32% das unidades federativas compartilham de maneira satisfatória informações sobre a pandemia. Além disso, 39% dos estados ainda não conseguiram alcançar o nível bom de transparência. Enquanto em Pernambuco o Portal da Transparência Internacional, que é composto por vários segmentos da sociedade, elaborou o ranking de transparência em contratações emergenciais para ações de combate a Covid-19, na última avaliação feita até o dia 21 de maio, a cidade do Recife ocupava o 6º lugar no ranking de transparência, classificada como regular. O estado de Pernambuco ocupava a 14ª posição, também considerada regular. Seria o ideal?

O que a gestão pública brasileira aprenderá com essa crise? Qual a lição que a pandemia deixará? Que a sociedade não é a mesma de antes, que os órgãos de controle estão funcionando, mesmo com todo o emaranhado político que paira sobre eles muitas vezes, mas estão. Aprenderá também que faz falta mais investimento na saúde, que na correria teve-se que construir hospitais provisórios, porque é evidente que não temos estrutura. Tem que se aprender de uma vez por todas que o dinheiro público é valioso e deve ser aplicado para o povo da forma mais eficaz e eficiente possível.

Que a experiência pela qual a população recifense vem passando durante esta pandemia, com todas essas investigações e suspeitas do Ministério Público sobre algumas aquisições da prefeitura que indicam a existência de sobrepreço ou de questionáveis fornecedores,despertem na sociedade que entre as milhares de vidas perdidas, algumas poderiam ser evitadas pelo poder público. Que esta cruel experiência, fruto da displicência, sirva para que venhamos a compreender por inteiro a ferramenta que é o voto, e o poder que nele há, que não são somente alguns dígitos ou um partido político em uma urna, mas sim, uma decisão que reverbera no porvir. Estamos em ano de eleição, uma bela chance para que mudemos o rumo da história, por meio do voto.

*Breno Bezerra Jr. é estudante de Gestão Pública.

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