Covid-19: Como Funcionará a Maior Imunização da História da Humanidade

Covid-19: Como Funcionará a Maior Imunização da História da Humanidade

Por Artur Brilhante*

Nas últimas semanas, saíram diversas notícias a respeito de várias vacinas que estão em fases avançadas. Há até denúncias de espionagem a respeito delas. Todos estão ansiosos e a previsão mais otimista, de uma vacina imunizante, é final de agosto ou começo de setembro. Apesar da torcida, literalmente global, pela vacina, imunizar bilhões de pessoas vai ser um dos maiores desafios da nossa história, principalmente quando se fala em gestão pública. Ninguém está perguntando no momento, estamos todos ansiosos demais com as boas notícias para nos preocuparmos com isso, mas uma hora as indagações vão vir: como vai ser administrada a maior campanha vacinal da nossa história? Quanto vai custar? Quanto tempo vai durar? Como são definidos os grupos prioritários? Responder essas perguntas com assertividade é extremamente difícil, porém já temos informações o suficiente para supormos como será. 

Quem define quem vai tomar o quê e quando?

A resposta curta? O Ministério da Saúde (MS). A longa, mas ainda assim resumida, é que o Programa Nacional de Imunizações (PNI), que está dentro do MS, define junto às Secretarias Estaduais de Saúde (na prática, os coordenadores estaduais de imunização) as datas das campanhas anuais, grupos prioritários e as quantidades. Além disso, a campanha tem que ter sido aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Enfim, parece um pouco burocrático, mas é um processo necessário e já bem estabelecido. 

No contexto do coronavírus, as leis e processos não mudam. Isso significa que é o PNI, junto ao CNS, que vai responder a maioria das perguntas em aberto. Ainda assim, o que se espera dessas deliberações é que os profissionais de saúde da linha de frente sejam os primeiros a serem imunizados, o que faz sentido, pois são os mais expostos. Logo depois, os grupos vulneráveis e, por último, a população geral. 

Essa estratégia de vacinar primeiro os mais expostos e vulneráveis tem a vantagem de poder acompanhar a produção de vacinas, afinal, temos 1 milhão de profissionais de saúde, no SUS, que estão trabalhando diretamente com o Covid-19, sendo o total 3,5 milhões. Isso é um público baixíssimo para a estrutura de vacinação brasileira: só nesse ano a campanha de vacina contra a gripe organizou-se para distribuir quase 70 milhões de doses. Pois é. Não é à toa que o SUS é o maior sistema de saúde pública do mundo. 

Contudo, nem tudo são flores. Vale lembrar que a estrutura de produção no mundo todo é limitada, por mais que elas estejam sendo expandidas desde o início da crise. Se você não estiver dentro dos grupos prioritários, terá que se conformar com o fato de esperar meses até as coisas voltarem a ser como eram antes.

Temos que ter em mente que, como em qualquer política pública, há diversos interesses envolvidos, principalmente em um contexto pandêmico. Há pressão de grupos internos e Coordenações dentro do próprio Ministério da Saúde, afinal, todo mundo se considera prioritário numa emergência. Geralmente, o Governo cede à algumas dessas demandas, mas quando a vacina sair, com certeza vai ter briga de cachorro grande sobre quem vai ser vacinado primeiro. 

O ponto da questão é que não vai ter espaço para todo mundo, à priori. Se a vacina da AstraZeneca/Oxford, que é a mais avançada, realmente for efetiva, teremos prioridade na compra, mas não temos certeza como isso se desenrolará na prática. Na verdade, não há qualquer previsibilidade de quantas vacinas serão disponibilizadas, no começo, para nós, ou seja, não temos margem para ceder à pressão de grupos. E o Governo será criticado por causa disso, não importa o grupo que coloque, pois tudo indica que a oferta será escassa e grupos ficarão de fora, no começo. 

Como vai funcionar na prática?

 A única forma de responder essa pergunta, de maneira minimamente assertiva, é comparando com outras campanhas de imunização. Felizmente, a nossa campanha contra influenza é extremamente conveniente em termos de comparação. 

Após a definição dos detalhes, o MS compra as vacinas com o seu orçamento, armazena em um centro específico e redireciona para os Estados Federados através de transporte especializado, pois não se esqueça que são vacinas e se a temperatura variar muito acentuadamente, elas poderão ser perdidas. No caso de Pernambuco, as vacinas chegam de avião. Após a chegada, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) armazena na Rede de Frio do Estado, um local específico para as doses.

Daí o Estado manda para as doze Gerências Regionais de Saúde (GERES), que previamente já haviam se preparado. As GERES são unidades administrativas da SES, que são responsáveis por uma parte dos municípios, atuando de forma mais localizada. Ou seja, são pontos de apoio que existem, graças a legislação do SUS. 

Depois não tem muito mistério. Vai para os municípios e, em seguida, para as Unidades de Saúde. Dá para perceber que passa pela mão de muita gente e que é um processo logístico complexo, envolvendo todos níveis da Federação. Nesse momento, sabendo que na campanha houve uma quantidade absurda de doses, você pode estar preocupado com desvios, afinal, o Governo Federal gastou, só em doses de Influenza, 1,1 bilhão de reais na compra das mesmas. É uma preocupação legítima, porém, felizmente, é uma preocupação que não precisa ser tão grande. O dinheiro está investido em vacinas, quem vai pagar por uma dose que é disponibilizada de graça pelo Governo? Sim, pode até haver desvios, mas o mercado de vacinas gratuitas não é líquido (um termo contábil para “fácil de vender ou comprar”), além de que, acredite ou não, todo esse processo é bem fiscalizado, pois cada dose administrada é lançada em um sistema de informação.

Só que tem uns poréns. A capacidade logística para encaminhar todas as vacinas, ao mesmo tempo, para a Rede de Frios de Pernambuco não é suficiente, até porque só em Pernambuco foram quase 3 milhões de vacinas de influenza, o que, convenhamos, não ocupa pouco espaço.  É um terço da população pernambucana. Por causa disso, as vacinas chegam em cotas (um nome diferente para remessas), geralmente semanais. Com as cotas e essa quantidade, as campanhas duram em torno de um mês. Considerando a campanha de influenza (que provavelmente não será, nem de longe, nossa realidade com o coronavírus, por causa da quantidade de doses limitadas), demoraríamos, no mínimo, três meses para imunizar a população pernambucana inteira para o Covid-19. 

É claro, é uma especulação, mas é baseada nas nossas experiências passadas, então é o mais próximo que podemos chegar. Pode ser que, devido à emergência da situação, se aloque mais recursos na logística e armazenamento, por exemplo, e o processo acelere. Pode ser que a vacina da AstraZeneca/Oxford seja a utilizada e tenha duas doses, o que faz com que se tenha uma campanha para cada dose e o dobro do tempo, ou seja, seis meses, no mínimo. No final, tudo dependerá dos gestores públicos, e de certa sorte nossa. De qualquer forma, nosso voto cobrará o seu preço. 

Afinal, quanto vai custar?

Você deve ter percebido que praticamente não houve valores até agora, com exceção do valor total das doses de gripe para o Brasil inteiro. Isso tem um motivo. Como já explicado, desde a compra até a aplicação na Unidade de Saúde, a dose passa pelos três entes federados. Isso faz com que cada gasto não seja centralizado em um único Portal da Transparência, além de que parte dos gastos do Governo do Estado é suprido pelo Governo Federal pelo SUS, por exemplo. 

Não é difícil perceber que é praticamente impossível chegar em um valor específico do que cada ente gasta, se eu ou você formos atrás. Mas não desanime! Por outro lado, temos como calcular, relativamente bem, quanto vai custar a compra das vacinas, se a vacina for a anglo-sueca, já falada nesse artigo. Isso porque a AstraZeneca anunciou que venderá a vacina a custo de produção, míseros 2,5 euros. Se isso se confirmar, cotando o euro à 6 reais, a vacina sairá por 15 reais, mais barato do que a vacina de influenza. 

Na campanha de gripe, foram compradas 75 milhões de doses, cerca de 11% a mais do que a população alvo. Calma, não é nenhum esquema. Esse número precisa ser maior, caso haja perdas no meio do caminho por falhas na temperatura ou no manuseio, por exemplo. Precisamos ter isso em mente com o coronavírus: se formos vacinar 80% da população, se comprarmos 11% a mais, gastaremos cerca de 2,8 bilhões de reais, ou se preferir, três IPhones 20. Brincadeiras à parte, apesar da demora, apesar da quarentena e da pandemia, se for essa a vacina que for utilizada, pagaremos um valor muito baixo pela imunização. Lembrando que, até agora, nenhum outro laboratório (com exceção do Johnson & Johnson) garantiu vender a preço de custo.

Enfim, o fato é que a vacina que nos trará mais vantagem é a AstraZeneca, pois teremos preferência na compra e será barata. Entretanto, a vacina chinesa também vem se destacando e a China investe pesado, a fim de limpar o seu nome e tentar fugir das consequências de ter omitido parte do surto, no começo. O Instituto Butantan vai poder produzir milhões dessas vacinas, mas não temos informações sobre o custo, até porque o acordo não foi divulgado pelo Governo de São Paulo. Sabemos que essa vacina é dose dupla, garantindo duas campanhas. 

A maior preocupação com a vacina chinesa é o ceticismo que muitos grupos políticos podem ter. A eficácia de uma vacina depende da maioria da população tomando. Se há um ceticismo generalizado, a eficácia cai e o investimento pode ir por água abaixo, pois a cobertura pode não ser suficiente.  

Por fim, no último artigo, finalizei dizendo que da crise ao caos, o passo é pequeno. A crise veio: entre março e maio, 7,8 milhões de pessoas perderam seus empregos. Apesar disso, felizmente, o caos não chegou. As notícias das vacinas realmente avançando são notícias de esperança que não só o Brasil precisava, mas o mundo todo. Contudo, não devemos nos iludir. Devemos ter paciência: há um longo caminho a ser trilhado até a normalidade.

*Artur Brilhante é estudante de Economia da UFRPE.

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